Rio de nós mesmos

Tiago_Silva_VB_03_março_15

(crônica publicada no site Vida Breve)

Há uns anos – e a leitora agora já fica na dúvida se estou pescando algo da memória mesmo ou se é coisa inventada, uma vez que não faz muita diferença, pois raramente alguém sai a campo para averiguar a veracidade de fatos descritos numa crônica –, um texto do Millôr Fernandes abria o salão de humor na Casa de Cultura Laura Alvim, dizendo “o Rio de Janeiro continua rindo”.

Nesses 450 anos da cidade, vale lembrar de um aspecto importante, ora positivo ora negativo, que marca a chamada carioquice: o humor. Aquoso por ser litorâneo, sardônico porque é – embora já tenha sido mais – contra o poder, flexível porque precisou se adaptar a uma geografia de sobe-e-desce, o riso no Rio de Janeiro é marca tão inconfundível que alguns chegam a definir a crônica como uma categoria encontrou na cidade o solo mais fértil desde que começou a ser escrita no país. Desconte-se o fato de que, por ter sido capital, onde a imprensa nacional se centralizava, escritores em geral migraram para cá, entre eles os de humor, como o Barão de Itararé (Apparício Torelly). Eles se somaram aos nativos, como Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo de Sério Porto que, assim como o Barão, de tão relevante, fez a criatura se tornar mais conhecida que o criador.

O chamado jeitinho brasileiro continua impregnado no comportamento carioca, atualizando-se a cada modismo e tecnologia, mantendo ainda a ideia de que, por aqui, a transgressão é a norma e vice-versa. E vice-verso, pois as inversões de papéis e sentidos são a argamassa da construção literária do humor. A maneira escorregadia de pensar, a sociabilização pela via anedótica, a adoção quase automática de uma postura irreverente criaram um ambiente propício para se olhar a vida com esse olhar irônico e contestador, mesmo quando a importância da capital foi levada para longe e se instaurou o regime ditatorial. Tá lá o Pasquim, que burlou isso tudo e mudou a imprensa.

Mas não sei, do outro lado ficou um estereótipo. Uma coisa é ser um malandro carioca à la Chico Buarque, erudito, zona-sulesco sem a prepotência elitista, uma unanimidade não burra. De outro, o contraponto que se fez com os paulistas, mais sérios e profissionais, cuja pressa é tão grande que muitas vezes não sobra tempo para o segundo beijo ou o S dos plurais. Recorro às aspas de Lívia Barbosa, no seu livro O jeitinho brasileiro, no qual ela retrata a contraface das cidades irmãs:

“Enquanto o primeiro ou é bem-humorado, simpático, boa vida, piadista, preguiçoso, gosta de samba, chopp, praia, mulher e carnaval, desenvolveu uma particular ojeriza pelo trabalho e não é uma potência econômica, o segundo representa os valores opostos. Em primeiro lugar, é trabalhador, bem-sucedido economicamente, seguidor das leis e das normas, mora numa cidade sem sol e sem mar, fria e cinza, onde tudo funciona eficientemente e ainda por cima carrega o Brasil nas costas.”

Por falar em livro, me lembro do ótimo romance Barba ensopada de sangue, do gaúcho (mas que passou boa parte da vida em São Paulo) Daniel Galera. O livro é recente, de 2012, e a história se passa em Garopaba, litoral catarinense, alguns anos antes. Em certo momento, aparece um personagem que nem chega a ser secundário, quando há um passeio de bote para turistas, e o guia explica que há alguns anos as baleias eram caçadas ali com arpões contendo dinamites, chamados de bombilanças. Os passageiros admiram a beleza e a graça de uma que passa sob eles, e um típico carioca faz a gracinha típica: “Ih rapaz, esqueci a bombilança em casa”. Não se trata de um estereótipo, pois a situação seria bem plausível e não duvido que Galera tenha ouvido coisa parecida quando viveu em Garopaba alguns anos antes de escrever o livro.

Volto aos 450 anos da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro e avanço mais cinquenta, imaginando se, ao completar meio século de existência, teremos encontrado algum equilíbrio. Seria muito ruim encontrar uma cidade na qual o jeitinho se retroalimenta exagerada e incessantemente, transformada numa distopia cyberpunk esculhambada. Mas também não posso imaginar a extinção do humor carioca, resistente no politicamente incorreto de cada dia, avesso à rigidez de pensamento cada vez mais preocupante, como se vê, por exemplo, nas frequentes manifestações de saudades de ditaduras e mesmo nas dificuldades de se entenderem ironias nas redes sociais. Espero que encontremos um meio termo nisso tudo.

Parabéns ao Rio de Janeiro, cidade onde nasceu o homo ludens.

Comentários desativados em Rio de nós mesmos

Assunto Sem categoria

De Volta ao Vida Breve

Tiago_Silva_VB_24_fevereiro_15ilustração: Tiago Silva

Crônica publicada no site Vida Breve.

TEMPVS FVDIT

Sed fugit interea fugit irreparabile tempus
(Mas ele foge: irreversivelmente o tempo foge.)
Virgílio

Bom dia, leitora. Digo leitora porque, assim como acontecia com nossos cronistas e folhetinistas do século 19, parece que as mulheres ainda são maioria entre os leitores. Isso se dá por razões diferentes que nem a pau (opa) vou discutir aqui. O importante é que as moças leem mais e, por isso mesmo, melhor. Ainda bem. E mesmo dando conta dos afazeres cotidianos, responsabilidades com trabalho e família, o cuidado natural com cabelos, unhas et coetera, elas ainda encontram tempo para se dedicar à antiga e serena prática da leitura silenciosa.

Todo esse nariz de cera batidamente sexista foi uma distração, leitora. Não posso falar muito de você, que é um múltiplo mistério a quem essas letras encadeadas aqui prestam sincera vassalagem. A ideia foi puxar a brasa para outra abstração que é a matéria básica de todos os textos publicados neste site todos os dias: o tempo. Porque se a vida é breve, a crônica é mais ainda.

Tempo é a vida de morte: imperfeição. Essa é do Guimarães Rosa, creio. Seria de Drummond, Clarice, apenas apócrifo, mas o Facebook diz que é do Jabor? Diga aí. Sei que retorno à crônica semanal já caindo no — batido, mas poxa, como se renova — exercício da metalinguagem de Chronos. Contudo, ele parece que tem se encurtado tanto nos últimos anos que, a meu ver, deixa cada vez mais de ser o trilho por onde seguimos e passa a ser o próprio trem que desejamos construir.

Ouvi outro dia um poema, acho que da Viviane Mosé, no qual se falava: “quem anda me comendo é o tempo”. Tempus fudit? E logo me lembrei de um soneto do Laurindo Rabelo — poeta do século 19, magro, desengonçado e afiado na sátira, que era chamado de Poeta Lagartixa e merece crônica à parte —, cujos tercetos dizem:

Oh! vós que tendes tempo sem ter conta,
não gasteis esse tempo em passatempo:
cuidai enquanto é tempo em fazer conta.

Mas, oh! Se os que contam com seu tempo
fizessem desse tempo alguma conta,
não choravam como eu o não ter tempo.

É fácil concluir que a falta de tempo se tornou um grande problema, justo quando a expectativa de vida aumentou pacas e surgiram mil tecnologias que prometeram facilitar as nossas vidas. Tem algo errado nessa equação irônica, mas não sou matemático ou físico para resolvê-la. Só nos resta palavrar a correria e alertar, para os outros e nós mesmos: segura a onda, moçada, que só existe o amanhã de ontem.

Mas sem física ou matemática, fica a poesia. Volto aos meus tempos de faculdade, quando lia sonolento aqueles manuais teóricos, e vem uma frase: o lírico é atemporal. Talvez, algum dia, quando a realidade prática e produtivista for tão ditatorial que o tempo será buscado como uma relíquia, encontrem na literatura uma forma reordenada, preservada no gelo dos livros, de se encarar a vida.

E aí, cara leitora, em vez de se buscar afoitamente uma locomotiva mais possante (é caro), ou se conseguir ainda mais trilhos (impossível se você não for Ponce de Leon), talvez a saída mais simples seja queimar menos carvão, diminuir o ritmo e abrir uma cerveja.

 

Comentários desativados em De Volta ao Vida Breve

Assunto crônica

A musa diluída, meu livro de poesia publicado em 2006, fez uma ponta nesse vídeo do canal nomegusta, voltado para adolescentes. Legal.

Aparece em 4’40.

[youtube]http://youtu.be/_uxTlhCtMr8#t=4m36s[/youtube]

Comentários desativados em

Assunto Sem categoria

Convite Tom Jobim

Vou te contar – 20 histórias ao som de Tom Jobim (Rocco)

Participo dessa antologia, organizada pela Celina Portocarrero, com uma história inspirada na canção Tema de amor para Gabriela.
tom

Aliás, uma boa ouvir a canção, aqui cantada pela Gal Costa:

[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=LyrE3yCjmCA[/youtube]

Comentários desativados em Convite Tom Jobim

Assunto Sem categoria

Paixão de Ler

slam

Comentários desativados em Paixão de Ler

Assunto poesia

Paixão de Ler

paixaodeler

Comentários desativados em Paixão de Ler

Assunto Sem categoria

Sobre poesia

poesia

Comentários desativados em Sobre poesia

Assunto poesia

Hai-kais pela Calcanhotto

adrianacalc

Semana passada bati um papo com a Adriana Calcanhotto na Biblioteca Pública do Estado, sub a curadoria da Lêda Fonseca. Falamos do livro maneiríssimo “Hai-kai do Brasil” (Edições de Janeiro), que ela organizou. É leitura muito recomendada, pois traz um panorama do hai-kai em nossas terras e no final tem um ótimo estudo do Eduardo Coelho.

Comentários desativados em Hai-kais pela Calcanhotto

Assunto Gerais

Papo com Silviano Santiago

Silviano

Comentários desativados em Papo com Silviano Santiago

Assunto Gerais

Na Flip

flip2003e2004-cartaz

Doutorado defendido, é hora de voltar para a vida literária. Vou para a Flip nos próximos dias e irei participar das seguintes programações:

Sexta, 01/08 

Meio de campo: o papel do agente literário

Bate-papo com Lucia Riff, Mariana Teixeira Soares  e Nicole Witt. Mediação de Henrique Rodrigues 

16h, FlipMais, na Casa da Cultura

 

Sábado, 02/08 

Atividade infantil: trocando alhos por bugalhos misturando os ditados – com Henrique Rodrigues e André Moura

11h, Off Flip das Letras, na Casa Libre/Nuvem de Livros

 

Sábado, 02/08 

Crimes e Castigos

Café Literário com Luisa Geisler, Mauricio de Almeida e Raphael Montes. Mediação de Henrique Rodrigues.

12h, Centro Cultural Sesc Paraty

Comentários desativados em Na Flip

Assunto Sem categoria