Author Archives: Henrique

A escrita contra o esquecimento

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Nesta semana, uma jovem booktuber postou um vídeo em que comentou sobre o meu romance. Venho acompanhando de perto esse movimento interessante e potente dos jovens em torno da leitura. Enquanto há algumas gerações a literatura dependia de alguns canais oficiais para ser divulgada e debatida, como os suplementos literários dos jornais, hoje temos uma situação diferente. Qualquer pessoa pode abrir um canal na internet e comentar seus livros preferidos, promover debates e fazer as ideias circularem.

Claro que isso não resolve o problema da leitura. É meio triste que, enquanto os booktubers se tornam as pessoas que mais influenciam leituras espontâneas no país (no mundo não sei dizer), esses meios tradicionais estejam desaparecendo. Porque com eles alguns profissionais com mais preparação técnica e mesmo com maior bagagem de leitura, como críticos e jornalistas literários, vão ficando cada vez mais relegados ao cantinho dos seus nichos. E muitas vezes os booktubers, por serem em sua maioria bem recrutas, acabam tratando de apenas alguns segmentos mais popoulescos para a sua faixa etária, como os de fantasia e chicklits.

Tento olhar positivamente para essa questão toda, entendendo que talvez estejamos vivendo uma transição nesse modelo, e que indivíduos como os booktubers venham a se profissionalizar cada vez mais, ampliando os seus raios de cobertura para a diversidade literária que vem sendo produzida. As grandes editoras já estão fazendo as chamadas “parceiras”, enviando exemplares diretamente para esses blogs e canais, considerando que eles são bons canais de divulgação.

Mas considere, cara leitora, tudo acima um grande nariz de cera pinoquiano. Porque o que vim contar mesmo foi o resultado do vídeo da jovem. Após assisti-lo, ouvindo os comentários, especialmente no ponto em que ela tratava do ambiente de pobreza carioca na década de 1990, um colega do meu trabalho veio me procurar. Disse que aquilo o fez se lembrar da sua adolescência e de um grande amigo que teve entre a infância e adolescência. Era o seu melhor amigo, com quem compartilhava os sonhos de “ser alguém na vida”. O amigo almejava entrar para o BOPE, correu atrás e conseguiu. Mas logo em seguida saiu, fez uma série de escolhas erradas na vida, ate que desapareceu. Depois de um tempo, foi encontrado vivendo acuado num quarto, de favor, doente. Conseguiram leva-lo para um hospital, onde morreria logo em seguida.

Omiti detalhes que me foram narrados, para resguardar a memória do amigo do meu amigo, pois não são necessários aqui. Mas depois desse relato – e a essa altura já o tinha chamado para um café na copa, pois ele estava muito emocionado enquanto me contava –, meu camarada me fez a pergunta que me tocou profundamente:

– E aí, você acha que vale uma história?

Meu colega me procurou, abrindo a gaveta de suas memórias, na esperança de que eu pudesse transformar a jornada do amigo em literatura. Quem escreve cansa-se de ouvir coisas como “minha vida daria um livro”, ou “um dia vou te contar minha história”. Mas no caso houve apenas uma esperança de que, ao investigar e verter em ficção, o amigo iria permanecer. Essa constatação me comoveu na hora, e ainda estou comovido, pois sem querer meu camarada tocou num dos pontos mais importantes da literatura. Escrevemos para não esquecer. Para não nos esquecermos. Tanto no nível individual e subjetivo quanto no coletivo e social.

Lidamos com símbolos, metáforas, máscaras de estilos que dão formas a ideias. São processos técnicos. Mas da ficção científica à chicklit, da poesia ao realismo fantástico, do livro infantil ao policial, estamos sempre, de formas diferentes, mergulhando na experiência humana versus o esquecimento.

Há menos de um mês, um infarto fulminante levou o Teixeira, que era um dos gerentes da lanchonete onde trabalhei. Ele foi um dos mais empolgados quando soube que eu faria um livro passado num fast-food, com algumas pitadas daquelas nossas vivências. De certo modo, para mim, o Teixeira agora se transportou para o livro.

Não sei se um dia vou transformar em ficção o relato do meu colega do trabalho. Mas ele me atentou para essa responsabilidade da literatura, que é guardar, bem no sentido daquele belo poema do Antonio Cicero: “por guardar-se o que se quer guardar”.

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Assunto crônica

Leituras de Parnaíba

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Semana passada estive em Parnaíba, onde fica um pedaço do já pequeno litoral piauiense. Trabalhei num centro cultural, protegido pela comodidade do ar-condicionado, mas o que gostei mesmo foi de sair, no almoço e depois do expediente, para olhar as ruas, praças e interagir com a gente de lá. Nessas viagens, o paradidático é tão importante quanto o didático.

Não foi minha primeira vez na cidade. Estive lá no ano passado, mas foi mais corrido e fiquei feliz de poder voltar para acompanhar os frutos que havíamos plantado. Também já estive noutro canto do estado, Valença, para participar de um evento literário há uns anos. Aliás, parece que nas cidades menores esses acontecimentos em torno do livro se tornam relativamente maiores, pois a população aparece em peso. Nas capitais, talvez pela correria e oferta desses serviços, o público é muitas vezes bem escasso.

Mas voltemos a Parnaíba. Diferente do calor absurdamente inumano de Teresina, essa pequena cidade do Delta recebe um constante vento litorâneo que diminui a sensação térmica, tornando agradável e possível uma suave flânerie.

(Em tempo: durante a mesma semana o escritor Carlos Henrique Schroeder chegava para ministrar uma oficina literária em Teresina. Eu o havia advertido sobre o calor intenso, pois se trata de um sujeito brancão de quase dois metros e careca. A surpresa foi ter caído um temporal com direito a granizo naquela capital, algo raríssimo. E o último romance dele se chama “História da chuva”. Coisas que só a literatura faz.)

Andando nas ruas parnaibanas descobre-se que o povo da cidade tem um orgulho tremendo das suas histórias, da sua urbanidade mais tranquila, do seu sotaque. Isso eu descobri porque zombaram do meu (pois quem tem sotaque é sempre o outro) ao dizerem que não tenho o sotaque típico carioca. Acho que a referência é o modo de falar praiano-zona-sul das telenovelas. Eu já adoro o uso e abuso que os nordestinos fazem da segunda pessoa. É bom demais, como dizem.

Bom demais mesmo é comer uma corda de caranguejo na beira do rio. O chamado caranguejo toc-toc leva o nome porque vem com um martelinho e uma pedra para quebrar o bicho e escarafunchar os pedaços em busca da carne deliciosa, acompanhado de baião de dois, farofa e molho. Após uma hora comendo as cordas (medida para quatro unidades), o caranguejo toc-toc é um prato que deixa o cliente todo respingado de caldo, com a boca e língua feridas, prostrado como se tivesse acabado de sair de uma batalha. Diz-se que o caranguejo é um alimento pouco calórico, mas acredito que isso se dê porque, depois dessa luta toda, o volume de carne que se retira de cada um é bem pequeno.

Apesar de cidade pequena, existe uma cena cultural bem efervescente em Parnaíba. Muita poesia e prosa sendo lida, escrita e discutida. A maioria dos brasileiros desconhece a vida cultural fora dos grandes centros urbanos, mas isso é assunto para outra crônica. Ou melhor, para outro tipo de texto. (Mas fico me perguntado quantos leitores da intelectualizada revista Piauí já foram àquele estado ou mesmo procuram conhecer a vida intelectual de lá.)

Porque em Parnaíba, em vez de nos afastar do nosso caminho, parece que o vento vai o tempo todo nos conduzindo para frente.

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Assunto crônica

Fiz um trocadilho e me lembrei de você

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Nas três últimas semanas, fiz aqui uma sequência de crônicas a respeito da importância do humor em geral e dos trocadilhos para a vida em sociedade. É, de fato, um assunto sério. Ou, pelo menos, que se coloca como oposto ao sério, e talvez daí se torne relevante. Essa volta ao pensamento teórico e prático do trocadilho me fez revisitar o assunto. E por isso quero dedicar esta crônica aos que não resistem em trocadilhar.

Não adianta tentar mudar os fatos. Quem faz trocadilhos possui um tipo de compulsão que se torna uma característica indelével. Naturalmente, não devemos tratar todos os trocadilhistas como indivíduos que sofrem de um transtorno. Existe uma patologia chamada de witzelsucht, causada por um problema neurológico, em que a pessoa não consegue parar de falar piadas ruins durante um tempão. Mas isso é exceção, não a regra. Os adeptos do trocadilho são em geral pessoas sociáveis, trazem alegria para as conversas e rejuvenescem os grupos de que fazem parte. São moderados e não atiram pra matar.

De vez em quando reencontro pessoas de empregos antigos, faculdade ou vida literária. E em dado momento da conversa alguém sempre diz “ah, Henrique, nesses dias fiz um trocadilho e me lembrei de você”. Há um tempo eu achava isso esquisito: pô, a gente estuda e trabalha pacas, escreve livros e a maior referência que deixamos para trás entre os nossos camaradas são os trocadilhos? Será esse o legado maldito de quem apenas é adepto do calembur suave, só porque não hesita em juntar lé com cré?

Pensando bem acho que já seria sim uma boa. Veja só. Deveria haver grupos de autoajuda para pessoas que falam piadas, deixam a seriedade pra lá e mergulham na prática de falar todo tipo de bobagem sobre quaisquer assuntos, sem superego ou gueriguéri. Pensando bem, esse lugar já existe e se chama bar. Então se as pessoas se lembram de nós por conta dos trocadilhos, tá de muito bom tamanho.

Porque seria estranho mesmo se dissessem “fiz uma planilha de custos e me lembrei de você”.

“Fiz um power point e me lembrei de você. Fritei um ovo e me lembrei de você. Ofendi Fulano e me lembrei de você.”

Daí que se torne relevante a presença e função social de pelo menos um trocadilhista em cada. A realidade tem sido chapada e denotativa demais, inflexível demais. Então você aí, quando fizer um daqueles bem infames, e do seu lado soltarem um daqueles “não, não acredito que você disse isso”, não esmoreça. Mantenha-se firme na sua capacidade de troça e siga em frente, pois essa é, na verdade, uma crítica positiva, porque o trocadilho, cachaça que é, precisa descer queimando.

PS: Minha intenção como romancista não era de produzir essa frase, mas é legal quando me dizem com olhar sacana “Não li seu livro ainda, mas ele é o próximo da fila” Ba dum tss.

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Assunto crônica

Resenha Literatorios

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Assunto Gerais

Ba dum tss – Defesa do trocadilho (parte 3)

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(ilustra FP Rodrigues)

Previously…

Nas duas últimas semanas, tratei aqui nestas crônicas da necessidade e importância (ou desimportância) do humor na vida cotidiana, bem como a prática dos trocadilhos como potenciais pílulas de transgressão ao costume e a ideias sedimentadas. Confesso à leitora que, ao puxar um assunto que me é tão importante, uma vez que me dediquei a ele em pesquisas durante tantos anos, tive certo receio de escorregar para o acadêmico chato, o rebarbativo do argumento, o adiposo das ideias. O Vida Breve não é pra isso.

Aliás, para quem não sabe, o título deste site de crônicas não é inspirado na música do Cazuza, pelo menos primeiramente. A referência é um aforismo atribuído ao médico e arquiteto grego Hipócrates, mas que nos chegou via latim: vita brevis, ars longa. A vida é breve, a arte é longa. E a crônica é, sem pretensão, como quem não quer nada, um lance voltado para a primeira parte. E não por acaso a crônica, sendo também um texto breve, é um espaço muito adequado para o riso, que é também, pela sua natureza, rápido e rasteiro.

O tempo, matéria de chrónos, é também o material do trocadilho, do humor em geral. O pensamento ágil, comprimido, que dá saltos abruptos de sentido e de entendimento da realidade, otiming, são típicos do humor.

Por isso é que, a meu ver, é possível defender até uma poética do trocadilho. Sei que a leitora, assim como muitas pessoas, tem a reação inicial de torcer o nariz diante de uma piada involuntária e inesperada, especialmente se ela surge no meio de um contexto “sério” – e coloquem aspas nesse termo. “Oh, não, lá vem o mané dos trocadilhos de novo”, reagem rapidamente com a mão sobre o fígado. Mal sabem que essa forma de resposta indica o sucesso de uma zombaria, que o recado foi dado, porque internamente houve, em meio àquela situação cheia de ideias denotativas e rígidas, um deslocamento morfológico, sintático ou, melhor ainda, semântico. A reação ao se ouvir um trocadilho é uma pequena vitória do humor sobre a ditadura da seriedade.

Há uns tempos decidi fazer alguns experimentos no dia a dia. A primeira foi publicar um livro para crianças só com trocadilhos. Nasceu o “Alho por alho, dente por dente”, escrito com o camarada André Moura. Trabalhávamos juntos na universidade e, entre os e-mails ordinários, trocávamos poemas com piadas rimadas, como essa do título. Quando visito escolas onde o livro é trabalhado, comprovo uma tese: as crianças adoram trocadilhos (assim como gostam de poesia) e os adultos, com algum constrangimento, tentam esconder que também curtem. Então parti para observar mais acuradamente a reação dos adultos diante do fenômeno.

Recentemente, criei uma fan page chamada Trocadilhos de Quinta. Isso porque notei que, em conversas de Facebook com meu amigo Leo Cunha, que também escreve livros infantis e também não resiste a uma transgressão pelo riso, iniciávamos um tipo de peleja. Todas as quintas postamos uma foto ou notícia geradora de duplos, triplos ou quádruplos sentidos, abrindo os comentários para que os leitores façam seus trocadilhos, que muitas vezes passam dos cem num mesmo dia. Acredito que haja uma demanda reprimida pelo riso entre todos os adultos, talvez uma pequena revolta contra a estupidez do mundo.

Lembro de uma citação do filósofo francês Henri Bergson, que escreveu “O riso”, um dos principais livros sobre o assunto: numa sociedade só de inteligências puras talvez não houvesse pessoas chorando, mas talvez rindo. Acredito que, quem oprime o riso, situando-o num lugar inferior, na verdade está se borrando de medo de ver a sua estrutura ruir com a fragilidade de um castelo de areia.

Para pagar o feijão com arroz, trabalho numa empresa grande, bato ponto em horário comercial, lido com papéis a todo tipo de seriedade, ainda que meu setor específico seja relacionado a ações culturais. Assim como os demais colegas, tento manter algum equilíbrio entre lidar com a densa estrutura administrativa que nos sustenta e o conteúdo transgressor e, muitas vezes, corrosivo dos projetos. Por esses dias, numa reunião que estava pesada demais, mencionaram uma pessoa de outro setor, cujo sobrenome, Singer, me fez perguntar se ela costurava propostas da instituição, ou se havia cantado a pedra para determinado fato. Já conhecia a pessoa em questão, muito simpática, aliás, mas não resisti em fazer o comentário jocoso. Após algumas risadas, voltamos para a reunião, um tanto mais leves.

E assim encerro essa sequência de crônicas sobre a importância do trocadilho na nossa sociedade. O humor é uma arma que não atira para matar, mas corrói pelas bordas. Ao permitir que as cucas se tornem mais flexíveis para as ideias e coisas, pode ainda ter um grande papel nesses tempos tão estranhos, como teve em tantos momentos ao longo da história.

Vita brevis, humor aeternum.

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Assunto crônica

Ba dum tss – Defesa do trocadilho (parte 2)

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(Ilustra FP Rodrigues)

Acredito que, a essa altura, a leitora esteja ainda sob o impacto das eleições. Após dar pequenos saltos na água dos últimos meses e por fim ter inevitavelmente afundado, o assunto ainda deixa pequenas ondas até que, sem que nos demos conta, venha a desaparecer quase completamente no lodo do dia a dia. É incrível a forma com a qual as nossas altas relevâncias migram, tornam-se um tema de atenção mediana e, por fim, desimportantes.

Tenho visto nos últimos anos, especialmente pelas facilidades de expressão das redes sociais, um aumento da postura combativa das pessoas, especialmente em prol de lutas sociais. Paralelamente, o humor encontrou na internet um terreno fértil para se manifestar. Chama a atenção a rapidez com que uma ideia se torna um meme, viraliza e desaparece com a mesma velocidade. A princípio, pareceria um contexto amplamente favorável para o ressurgimento da imprensa alternativa, aquelas publicações independentes que, especialmente durante a ditadura, tiveram papel importante para combater o sistema, sendo O Pasquim o mais importante desses jornais. Imaginei que agora sim a contestação da seriedade pelo riso se tornaria mais democrática e realizada em escala.

Só que não.

É porque vem o Camões me sobrar o seu decassílabo “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”. Fico aqui catando elementos para tentar entender porque o tipo de humor mais utilizado hoje é menos ácido e mais rasteiro.

A primeira hipótese é de que as publicações alternativas não chegavam a tanta gente assim, comparando com a internet hoje. Pelo que me lembro, no auge do Pasquim a maior tiragem foi de 300 mil exemplares, o que é imenso, mesmo porque os índices de alfabetização eram bem menores na época. Mas hoje, por outro lado, temos ainda uma situação de 75% das pessoas economicamente ativas como analfabetas funcionais no país. Pode ser estranho constatar isso, mas se tanta gente não consegue entender textos simples, como compreender uma ironia? Ainda que possa ser verdade, essa hipótese não me convence totalmente, porque o mesmo tipo de humor é praticado em países com melhores indicadores de educação.

Parto para a segunda hipótese. Tal como no filme Matrix, a galera tende a projetar no mundo virtual uma persona do que gostaria de ser aqui na realidade de carne e osso. O politicamente correto chegou chegando, e talvez com uma pitada do parágrafo anterior, sobre a dificuldade de se entenderem ironias, o pensamento malemolente do humor pode se tornar menos flexível. Daí que soa bonito – especialmente porque postar uma ideia no conforto virtual não requer nenhuma ação real – apregoar um bom-mocismo com pompa e virtuosidade do que ser mais sardônico sobre o mesmo assunto. Assim, é facilmente possível ser um bravo militante virtual para causas nobres mesmo que não exista a menor equivalência na vida. E para manter a aparência dessa empreitada digital, ai de quem meter a mão na cumbuca do politicamente correto. Nelson Rodrigues, hoje, seria inviável.

Acho que foi o Millôr (sempre ele) que antecipou numa constatação: a língua deveria ter um sinal para a ironia. Quem nunca escreveu algo que foi levado ao pé da letra, tendo que explicar uma piada?

Nessa carona, uma nova hipótese, e não sou o primeiro a levantá-la, é a de que a liberdade total não é tão propícia ao humor combativo. Quando acabou a censura prévia ao Pasquim, o Millôr disse: “Ser livre, é bom notar, não é ser libertado. ‘Eu te dou toda a liberdade’ é a restrição suprema”. Há uns dois anos, quando o Casseta & Planeta encerrava seu programa na TV, mediei um debate sobre humor com o Tutty Vasquez e o Marcelo Madureira, e não pude deixar de perguntar sobre o fim do programa, considerando que o grupo tinha começado lá atrás, na imprensa alternativa, com a junção dos jornalecos hilários Casseta Popular e Planeta Diário. Sem pestanejar, ele revelou que os anunciantes de lojas populares pressionavam para que as piadas fossem cada vez mais tolas e superficiais porque o seu público assim exigia. E como não dava pra baixar mais o nível do trabalho, o programa foi pro saco. A percepção humorística do consumidor das Casas Bahia pode ser um sintoma de algo maior, não sei.

Mas o humor persiste. Ao longo de todo o dia, cada pessoa entra em contato com cenas, situações, textos orais ou escritos que favorecem a subversão pelo riso. A realidade está impregnada de outra realidade, que corre ao lado, não paralela, mas às vezes perto e às vezes mais distante. Diferente do politicamente correto, que se arma das virtudes, o humor desnuda os nossos defeitos, como um tipo de água benta do capeta que dissolve aquilo que atinge, podendo revelar, sim, a nudez do rei. Na tal modernidade líquida, o humor é chuva ácida.

Peço licença à leitora para citar Vladimir Propp, formalista russo que escreveu um livro interessante pacas chamado “Comicidade e riso”: “se o riso é uma reação aos defeitoshumanos, pode-se suporque o riso de umhumorista seja contínuo, na medidaemqueelevê na vidaapenas mesquinhez e abjeção e, porisso, o risível”. E já que estou citando, vale lembrar do Aristóteles: a tragédia mostra os homens melhores do que são; a comédia, piores. Abraçar os defeitos humanos e colocá-los em pauta pelo ridículo pode ser mais eficaz do que os cobrir com um manto bonitinho de aparências.

Depois de tanto falar pensamento humorístico, não cheguei a conclusão alguma. Estudei essa questão no mestrado e doutorado (ouço sempre que sou doutor em piada, mas rebato que meus trocadilhos têm o certificado RISO 9002) e anda estou cheio de dúvidas. Para testar na prática, camarada escriba Leo Cunha e eu criamos uma coisa chamada Trocadilhos de Quinta. Mas sobre isso falemos semana que vem. Até.

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Assunto Sem categoria

Ba dum tss – Defesa do Trocadilho – parte 1

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Ilustra: FP Rodrigues

Há pessoas que conseguem manter absoluto controle diante de uma situação social em que ideias e palavras coincidem de forma abrupta e geram aquilo que popularmente se chama de trocadilho. Guardam para si, riem para dentro num tipo de subriso, mudam de assunto levemente constrangidas, disfarçam o pensamento livre e lúdico, tudo a fim de voltar à plena normalidade do uso da língua. Que sérias essas pessoas, hein?

Já tentei por diversas vezes, mas não me enquadro nesse grupo por nada. É que, por algum motivo que não entendo bem, parece que desde cedo sou perseguido por trocadilhos. Não quero criar uma teoria conspiratória em que pessoas ou corporações criariam secretamente situações geradoras de duplos e triplos sentidos apenas para meu gáudio. Pelo contrário, o que me deixa espantado é a sensação de que toda a realidade está imersa num grande oceano de sentidos que se trombam a todo tempo. E o que me incomoda é a hipocrisia geral em ignorar esse caldo, nessas convenções sociais em que a seriedade total é aplicada como sinônimo de maturidade e ordenamento. Quando eu era mais novo isso poderia até parecer uma regra, mas olhando agora, de dentro, concluo que a seriedade não me convence.

Acredito que a leitora deve concordar comigo enquanto lê esta crônica. Sim, a liberdade criativa é muito mais interessante que a sisudez corporativa. O poético muito mais bacaninha no dia-a-dia do que o prosaico. O extraordinário do pensamento muito mais palatável que o ordinário-marche! Mas nem é disso ainda que estou falando. Penso mesmo é na aplicação direta da transgressão humorística do mundo real, fora da crônica. Sim, aí no seu trato com a família, com amigos e semiamigos, na sua reunião chata de trabalho, em que os colegas fazem de tudo para parecerem mais produtivos e inteligentes com um monte de jargões corporativos do momento.

Aliás, fica lançado o desafio: sair de uma reunião ainda neste ano, pelo menos em empresas que trabalham na área de Humanidades, em que não sejam proferidos os termos protagonismo, territorialidade, empreendedorismo, inovação e, como não poderia ficar de fora, empoderamento. Tudo agora está empoderado, até o cafezinho. E repare que muitas vezes essas palavras são ditas, com voz impostada e sobrancelha franzida para agradar superiores chefes e impressionar colegas, apenas porque estão na moda, assim como os anglicismos até há não muito tempo – ou ainda tem gente que estarta o feed-back do business do negócio?

(E a quebra de paradigmas? Quando é que vão quebrar o paradigma de tanto se falar quebra de paradigma e assumir de vez que estão todos estacionados num mesmo sintagma?)

Certa vez estava numa reunião dessas que, se espremidas, renderiam menos que um limão velho. O termo solução era falado a cada dúzia de palavras, acredito que para provar a resolução de um problema que, na verdade, nem existia, mas que dava terno-e-gravata a quem falava. Depois de um tempo ouvindo a mesma coisa, acabei me distraindo olhando um ponto fixo, até que distraído disse, meio pensando alto, que solução é um soluço grande, e a reunião teve que parar porque a ideia do sujeito ficou meio ridicularizada – ou foi revelado que tudo ali não passava de uma grande papagaiada.

Aristóteles ensinava boas maneiras ao seu filho Nicômaco, num livro que sobreviveu aos nossos dias. Uma delas foi “o gracejo é uma espécie de insulto”. O filósofo orientava que o excesso de riso poderia gerar um bufão, de maneira que era preciso dosar essas desconstruções no dia a dia. Mas e quando a sociedade se torna tão enrijecida a ponto de a seriedade se tornar um tijolo opressor com uma camada de glacê colorido por cima?

E o pior, como o humor pode voltar a ter um caráter corrosivo novamente, quando se tornou um recurso banal, incapaz de aplicar acidez no seu objeto, tornando-se até, via fagocitação de artistas do riso a grandes grupos de entretenimento, um mero ingrediente do glacê?

A leitora pode estranhar a relação da ideia do início da crônica com essa. O que fazer trocadilhos tem a ver com a percepção crítica – e diria até política – do mundo? Tudo, minha cara.

Os que fazem trocadilhos (ou calembur ou paronomásia, se quiser termos mais pomposos) são indivíduos que não se acostumam, não embarcam cegamente em ideias que lhes tacam como verdades corretinhas. Estamos vivendo uns tempos estranhos, de ditaduras invisíveis, pensamentos retrógrados que surgem como mortos-vivos, contrabalançados por outros aparentemente construtivos, mas que muitas vezes criam suas próprias cercas aramadas com elementos arriscados, como o politicamente correto. Em nenhum desses polos o humor pode entrar. E isso é perigoso.

Daí a importância do humor mais simples, o trocadilho basicão, morfológico e inconvenientemente transgressor. Por trás de um simples jogo de palavras há pequenos saltos de sentidos, hiatos onde eclode uma micro-revolução da linguagem, impedindo que o pensamento cotidiano vire aquele bloco de tijolo: mostrando a nudez do rei, o trocadilho revela a dureza escondida sob o glacê docinho que estão nos vendendo ou empurrando goela abaixo.

(Continua semana que vem, pois esse papo rende…)

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Assunto crônica

Carta à leitora marginal

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Ilustra: FP Rodrigues

Prezada leitora,

Estive por esses dias em Curitiba, essa cidade tão bonita e literária. Acho que é, hoje, a melhor capital do país para a antiga prática da flânerie. Flânerie era essa coisa de andar a pé sem muito compromisso, colhendo elementos da urbanidade que poderiam se converter até em poemas e crônicas. Sim, hoje também há muitas pessoas querendo colher pokémons, mas não sei se a metáfora funciona.

Sei que você vai dizer que elogio a cidade porque não moro nela. Que bastaria um mês vivendo aí para que fosse assolado pelo tédio, as temperaturas que variam abruptamente ao longo do dia e a violência que não para de aumentar, fora os engarrafamentos. Digo algo parecido com quem vem ao Rio de Janeiro e se encanta com a cidade. Agora mesmo nas Olimpíadas propus o clássico “vamos trocar então” para várias pessoas residentes em locais menos caóticos.

Mas é que Curitiba tem um tipo de mistério aberto, um claro enigma que nos (ou pelo menos me) convida para desbravar a cidade. Entre uma ida a restaurantes e outros pontos turísticos, encontramos os irresistíveis sebos de rua. Num deles fiz umas compras legais a preços camaradas. Entre os quais aquela primeira edição do “Quase Memória”, do Carlos Heitor Cony. Sim, aquela que tem um balão na capa. E a memória me levou de volta ao ano em que li o livro, 1997, quando estudava Letras de manhã e trabalhava numa locadora – segurando o exemplar, quase consegui ver uma fita de VHS não rebobinada. O Seu Armando, dono da locadora, era um grande e afiado leitor. Fazíamos nossos debates literários e esse livro rendeu um papo que me acompanhou para sempre.

Mas os livros dos sebos também têm suas memórias, e nesse tem uma dedicatória: “Tão banal, tão ele, tão grande. A meu pai, uma eterna criança.” É difícil não se comover. E também não imaginar todas as histórias ali por trás, que casam inclusive com o conteúdo do romance. Meus literocomparsas já exploraram essas pegadas dos livros: o Marcelo Moutinho fez um conto só com dedicatórias, e o Flávio Izhaki usou esse mote de anotações em livro, inclusive comprado num sebo de Curitiba, para seu primeiro romance, “De cabeça baixa”.

Outra grande surpresa foi encontrar um exemplar do meu primeiro livro, “A musa diluída”, cheio das suas anotações. Ele foi lançado há quase dez anos, e não sei em que período passou pela sua vida. Mas saiba que você deixou rastros nos poemas, sublinhando, riscando e completando com outras ideias. E com o seu texto me parece agora que se trata de outro livro, mais completo – ou menos incompleto – após a uma boa leitura.

“O que é poesia? Poesia é susto. O que faz um poeta? Ficar no que se é! Sobre a desesperança. A vida além do verso. O poeta é uma imitação de si. A noite é branca. Destino = distração”, vai escrevendo nas margens, comentando para si mesma. Acho que você notou que é um livro cheio de alusões líquidas, e vai nadando verso a verso, braçada a braçada, mergulho a mergulho. Mas quem sou eu para saber das suas águas, e o que se esconde na profundidade desses redemoinhos?

Como os envolveu a caneta e fez um comentário ao lado, você parece ter gostado muito do verso “Uso os braços para escrever e para dar adeus”, e mais à frente “Eu canto os meus contemporâneos / Solitários peterpânicos”. Terá se identificado por conta de um fim de namoro, a perda de um familiar, o isolamento numa noite de domingo em pleno inverno curitibano? Ou apenas encontrou relação com algo com que trabalha ou estuda, apontando para essas fragmentações e rupturas teóricas da tal pós-modernidade? Ou apenas passava o tempo enquanto esperava um ônibus desses de tubo?

Antes de ter seus livros publicados, muitos autores pensam que, após essa conquista, irão receber muitas coisas materiais e imateriais, como prêmios, convites para eventos, reconhecimento público ou de crítica e até, veja só, dinheiro. Depois de um tempo, e te digo como esses dez anos foram importantes para que eu conclua isso, parece que é mais o contrário.

Em livro, livramo-nos também de algo que nos inquiete e às vezes consome, e nesse momento as ideias guardadas nas páginas fogem a qualquer suposto controle que tínhamos sobre elas – daí a relativa desimportância de críticas, sejam positivas ou negativas. O importante é estamos livres para as novas distâncias e proximidades, que por sua vez podem se transformar em novas inquietações e livros. E assim segue o barco.

Por isso te agradeço, leitora. Talvez sem saber, seu texto me espelhou novos sentidos para um sentimento que é, em tempo, vida e poesia, bem mais que memória.

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Assunto crônica

Retratos 3X4 da leitura no Brasil

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Acordo num sábado preguiçoso e constato que estamos sem internet. Não há previsão para retorno, o que deixa o meu caçula frustrado porque desejava muito jogar Counter Strike no meu computador enquanto eu ficaria lendo na varanda, como sempre faço aos sábados. Em vez de jogar, fui ler com ele um livro infantil de um amigo. Alternamos as estrofes rimadas, ele ficou feliz, fui ler na varanda e depois vi que o moleque estava no meu computador. É possível jogar contra bots, mesmo sem internet. “Amanhã vamos ler aquele seu livro inclinado?”, ele pergunta enquanto detona os bots com head-shots.

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Um primo mais novo, que nunca vi com livro algum, posta no Facebook várias fotos da capa de “Cinquenta tons de cinza”, acompanhadas de uns trechos mais picantes. Acho engraçado, cogito se não é a mulher dele quem está lendo e postando, mas não curto nem compartilho. Não quero saber o motivo, por fim imagino se não é o primeiro livro que ele lê fora da escola e qual foi o trajeto até um encontrar o outro.

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Uma senhora, acompanhada de uma jovem, toca a campainha de casa e me oferece a revista “A Sentinela – anunciando o Reino de Jeová”. Diz que é uma campanha especial do mês para o assunto da edição: “Quem pode nos dar verdadeiro consolo?”. Sinto-me com uma pitada de culpa pelo quase inevitável duplo sentido que atribuo ao termo, o mesmo que tive ao reler outro dia o belo poema “Consolo na praia”, do Drummond. Olho para a rua e vejo que há outras duplas atendendo nas casas vizinhas, num pequeno mutirão. A senhora abre as páginas da revista e me explica que todos os textos são fundamentados na Bíblia, com as devidas indicações. Lembro-me de uma frase que acho ser do Millôr, como todas as boas frases devem ser: “Se Jeová fosse isso tudo não precisava de testemunha”. Diferente de outros que nos batem à porta, a senhora não pede nada e se despede. Antes de ir, dou um beijo na sua mão.

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Uma amiga escritora comenta nas redes sociais uma notícia da Superinteressante, na qual são listados os livros mais vendidos no Brasil e Estados Unidos nos últimos anos. Aponta para o fato de que, dos anos 1990 para cá, nenhum livro de literatura brasileira figura na lista. Nos comentários, várias teses surgem para esse fato, inclusive algumas minhas. Volto uma semana no tempo, quando falava na Bienal sobre prêmios literários (os grandes prêmios, ui, ui) e seu (difícil) papel para formar leitores. Éramos interrompidos a todo tempo pelos gritos de jovens no evento do espaço ao lado. Gritavam feliz e histericamente porque estava lá um youtuber famoso, que estava lá para lançar um livro. “Nossa função deveria ser o de construir uma ponte entre esses dois mundos”, falei, meio sem eco porque talvez haja um oceano no meio.

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Meu moleque mais velho lê o meu exemplar de “O Hobbit”, que agora é nosso desde que ele conserve. Enquanto almoçamos os hambúrgueres que fritei na pressa, comenta que o Gollum não é um cara ruim, coitado. No jogo da leitura, ele parece fingir que não viu os filmes, esperando que as próximas páginas tragam surpresas.

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Jogo sinuca com dois camaradas que também atuam atrás do balcão da literatura, cada um num segmento diferente. Falamos, com a sinceridade única que apenas um ambiente de bar permite, de todos os assuntos intra, inter e extraliterários. Não jogo sinuca direito mas, depois de umas e outras, por algum motivo, começo a acertar melhor as caçapas. Enquanto isso, descobrimos e detalhamos todas as soluções para melhorar a leitura no Brasil. Agora que as esqueci totalmente, não sei por que tomamos apenas cervejas e não notas.

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Ecos da Bienal do Livro

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Ilustra: FP Rodrigues

Semana passada estive por quase uma semana acompanhando a Bienal do Livro de São Paulo, um dos maiores eventos da área aqui na América Latina. Não sei se por bairrismo ou por outro motivo de ordem pessoal, ainda gosto mais da Bienal do Rio de Janeiro – caos por caos, prefiro o da minha cidade. Mas no geral são eventos muito parecidos, caracterizados, sobretudo, pelo volume imenso de público. E onde tem muita gente reunida existe coisa boa pra se ouvir. Se na semana passada falei do agradável papo que tive com outros passageiros de Uber, agora vale retratar uns pontos que pesquei lá dentro do pavilhão do Anhembi, ou a caminho de lá. Mas já alerto que são, em sua maioria, desimportâncias.

Ouço ecos da multidão de adolescentes que, não é de hoje, mas cada vez mais, ocupa esse tipo de evento. Há pouco mais de duas décadas, os adultos, assustados e alarmistas, diziam que a tal internet ia acabar com os livros, ainda mais com aqueles adolescentes (eu incluso) que não paravam de jogar videogames. Taí, coroas (eu incluso ou a caminho de), a molecada que nasceu de lá pra cá está lendo mais que as anteriores. Os adultos (eu incluso?) é que não têm mais tempo de ler, pois os raros tempos livres dessa vida corrida são ocupados pelas séries de Netflix e, claro, os videogames.

Mas também ouço ecos de grupos de adolescentes que evocavam grupos de outras escolas, e em uníssono milhares gritavam sua palavra de ordem: BIRLLL!

Ouço os ecos dos amigos paulistas que não consegui rever, seja fora do horário da Bienal num chope, seja lá dentro por eu não estar no momento, nesses desencontros tão comuns para uma metrópole como Sampa.

Ouço ecos dos que consegui encontrar, seja em contatos profissionais ou mesmo para atualizações sem compromisso de assuntos diversificados – vulto jogar conversa fora. Aliás, como se come e se bebe bem em São Paulo.

Ouço ecos dos jovens, sempre eles, gritando porque uma youtuber famosa iria aparecer lá, mesmo não tendo muito o que dizer – ou escrever, porque os livros dela têm a consistência de biscoitos de polvilho. E ouço também uma uma senhora, mãe de algum deles, que voltava daquela comoção coletiva, nos olhou e disse “só Jesus pra entender”. E na hora me perguntei se, caso reencarnasse hoje, ele viria como um youtuber. Ou já veio?

Ouço ecos, ainda, de leitores fãs que berravam emocionados ao lado da sala onde eu falava sobre prêmios literários com curadores de projetos sérios e importantes, cujos livros descobertos ou agraciados, infelizmente, não geram essa gritaria. Como fazer essa ponte entre os dois mundos?, perguntei a todos nós lá, sabendo que para isso não há resposta fácil.

E ouço o eco da felicidade por compartilhar uma mesa com a professora Marisa Lajolo. Como estudante de Letras, li muitos livros dela, que depois da sessão, no almoço, apelidei metonimicamente de “minha bibliografia”. Ao me despedir, ela disse “vem cá dar um beijo na Bibliografia”.

Sim, ouço eco de um virundum ouvido por um camarada que limpava o banheiro enquanto cantava: “Eh, meu amigo canibal” e não parecia saber que era Charlie Brown. Achei benito, digo, bonito aquele calembur involuntário dele, eu que guardo trocadilhos como quem captura pokémons.

E por fim ainda ouço o eco de uns fogos bizarros que explodiram nos céus quando a presidente sofreu impeachment. Esses ainda vão ecoar por um bom tempo, zumbindo aguda e dolorosamente nos tímpanos de todos nós.

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