As palavras pequenas

FP_Rodrigues_VB_28_junho_16

Semana passada visitei uma ONG aqui em Jacarepaguá, a fim de fazer uma leitura para as crianças que ela atende. Eram coisa de 30 pessoinhas entre 4 e 6 anos, residentes ali na Cidade de Deus. A minha Bianca estudou com duas das professoras de lá, e sempre dizia que as amigas queriam que eu fosse conhecer a garotada.

Aproveitei o lançamento do novo livro infantil, “Palavras pequenas”, que foi pensado justamente para essa galera, e fomos lá. A Bianca me deu a ideia do livro há uns anos, quando estudava a obra da psicolinguista argentina Emilia Ferreiro. Lembro-me bem: estava dirigindo e a minha mulher – então namorada – me falava sobre essa questão das crianças sentirem dificuldade de representar um elefante, que é uma coisa imensa, com poucas letras, enquanto uma formiga é bem diminuta e tem quase a mesma quantidade de caracteres. Não consigo conversar direito enquanto dirijo, e chego a interromper uma frase no meio quando faço uma curva de 90 graus, retornando a ela apenas quando sigo novamente em linha reta, o que já se tornou motivo de trollagem geral – à qual respondo com o argumento bobo de que homens são focados etc. Mas ainda assim a ideia estacionou num canto da minha cuca e engrenou depois sob a forma desse livro.

Mesmo usando meus moleques aqui em casa como cobaias dos meus escritos para crianças e jovens – espero não estar causando nenhum trauma com os experimentos que não dão certo –, não havia feito ainda um test-drive com um grupo maior de crianças, pois o livro sequer foi lançado. Ele é mais enxuto de texto e maior em termos de ilustrações, feitas pela também argentina Anabella López e, sobretudo, de ideias. Nesses casos, a figura do autor se resume a passar o recado e esperar que elas, as ideias, cutuquem de alguma forma a cabeça dos leitores.

(Peraí, mas não seria essa a função da literatura como um todo, recado e esperança? Bem, por essas e outras que, a meu ver, os livros para crianças trazem sempre algo de fundamental que, muitas vezes, fica em segundo plano no mundo literário dos adultos.)

Em dado momento, quando disse que o protagonista do livro, chamado Leo, descobre que palavras pequenas representam coisas grandes, como “céu”, comentei que se trata de algo muito vasto e distante. “Ninguém consegue tocar no céu, mesmo subindo ali no alto daquele morro, porque fica muito longe”, e apontei para o ponto mais alto nas proximidades, onde fica a Igreja do Loreto.

Depois que terminamos a leitura, a professora conduziu uma oração junto com as crianças, seguida por um mega abraçaço que vai me aquecer para o resto da vida. Não sou religioso stricto sensu, mas no sentido lato foi impossível não segurar as lágrimas com aquela retribuição.

Quando me recuperava, uma menina bem pequenininha se aproximou e disse uma das frases mais agudas e fortes que já li ou ouvi: “Tio, o meu pai tocou o céu”.

E ficou me olhando para ver se eu entendia a sua metáfora, que está além dos livros e, com um poder imenso, inverteu nossa posição, pois agora ela era a escritora que passava recado e esperança para o seu leitor. Surpreendido e atônito, pensei “o meu também, minha amiga, mas você é ainda tão jovem para esse enredo”.

E não formei palavra: na limitação do meu silêncio, como se estivesse fazendo mais uma curva na estrada dos meus dias, consegui apenas dar mais um abraço nela.

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Assunto crônica